Por Daniela Castro*

Após mais de 2 décadas trabalhando com causas e com Advocacy, muito se evoluiu nas ações da sociedade civil em prol de transformações sociais, políticas e sistêmicas no país. Contudo, a aquisição de uma nova visão sobre a peculiaridade do planejamento e do execução que promovam impacto real ainda é um desafio das organizações da sociedade civil. Não importa o formato jurídico por detrás de causas, sejam movimentos, associações, organizações não governamentais, fundações ou empresas; os desafios de planejamento de transformações sociais possuem peculiaridades inerentes ao objeto que se quer alcançar: impacto.
O primeiro ponto é o impacto em si, ou seja, a mudança que se quer ver no país ou no ambiente que se quer transformar. Diferentemente da entrega de bens ou serviços a um cliente, mudanças sociais, políticas ou comportamentais é o produto final que se quer “entregar. A grande diferença reside em algo que está no ambiente externo à organização ou movimento ao qual se tem pouca ou nenhuma governabilidade. Ou melhor, a mudança está fora da organização.
Isso gera uma diferença brutal nos processos de planejamento organizacional, no qual a não observação dessa premissa pode comprometer todo o trabalho da organização.
Os métodos de planejamento tradicionais não atentam a esse fator. E é justamente o foco na mudança que deve ser a primeira etapa de um planejamento e que delineará as ações pensadas no plano de ação e, inclusive, nas políticas internas como pessoas, captação e orçamento.
O primeiro passo do planejamento é definir qual mudança social, política ou comportamental que se almeja alcançar. Da forma mais concreta e mensurável possível. Pode ser: aumentar em determinado percentual o acesso das crianças de uma faixa etária à rede pública de educação, abreviar em certo grau a fila de espera por leitos ou o tempo de espera por consulta nos serviços de saúde, reduzir a taxa de homicídios ou diminuir os índices de desmatamento. O objetivo também pode ser uma mudança comportamental. De qualquer forma, é fundamental definir um objetivo e traçar metas, pois será esse o “produto” a entregar.
O próximo passo é definir com clareza as etapas do que é preciso acontecer para a mudança ocorrer. E, novamente, no ambiente. As organizações, conforme dito acima, não têm a caneta na mão. A mudança está fora da sua governabilidade. Então é preciso pensar como se fossem os próprios tomadores de decisão. Para isso, informação política é fundamental. Quanto mais detalhada e aprofundada, melhor. E são essas etapas que serão os reais indicadores de uma ação de Advocacy.
Já o próximo passo é, aí sim, definir como se vai influenciar o ambiente para que as etapas se cumpram rumo ao impacto ou à mudança. A mudança pretendida e o caminho até ela determinarão o uso de coalizões, comunicação, acordos privados, lobby e litígio estratégico, entre outros recursos. É comum verificar os planejamentos definidos por meio de suas atividades, mas essa é a última fase. Definidas as bases, as organizações podem avançar para a definição de atividades, a elaboração de um cronograma e a previsão de orçamento.
Uma das questões muito levantada pelas organizações com a qual trabalhamos na Impacta ou nos cursos que ministramos, é a mensuração de impacto. No caso de Advocacy, os indicadores de resultados estão fora da organização e são difíceis de serem medidos, em especial na correlação de impacto, ou seja, entre a ação da organização e a mudança ocorrida. Medir a influência na promoção de uma mudança social é algo complexo. Como medir o quanto a minha organização foi responsável pela diminuição da pobreza, ou da taxa de homicídios, ou da diminuição do desmatamento? Em todo caso, se mede o processo, mas em conexão com os indicadores de mudanças. Além disso, há indicadores de processo em Advocacy que se diferem do tradicional medidor de resultados esperados como livros publicados, reuniões feitas, etc. é possível e recomendado a construção de indicadores como: a incorporação do tema ou tese nos discursos de um tomador de decisão, o uso de informações levantadas pela iniciativa em análises do governo, a participação da organização na redação de um decreto, etc.
Em todo caso, aos financiadores e gestores, que muitas vezes ficam aflitos com a mensuração, é importante saber que a organização/movimento/empresa não tem controle sobre as variáveis que levarão à mudança. Isso faz parte das ações de Advocacy e é preciso aceitar essa imprevisibilidade. Saberemos, no entanto, com o planejamento focado em mudança, se estamos no caminho certo.
Vale relembrar uma declaração de Darren Walker, presidente da Fundação Ford, no Fórum de Advocacy e Impacto de 2021. “Se fôssemos esperar métricas em justiça social, jamais teríamos investido por 40 anos em ações da sociedade civil pelo fim do Apartheid”.
Daniela Castro, Diretora Executiva da Impacta Advocacy, é autora do livro “Advocacy: como a sociedade pode influenciar os rumos do Brasil”.
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